quarta-feira, 20 de abril de 2011

UNIVERSIDADE POPULAR

UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!
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COMUNA
RESUMO: Diante de tantas propostas de reformas universitárias, lançadas no Brasil e fora dele, poucos foram aqueles que pautaram este debate por fora dos marcos da institucionalidade. Parece que nada se pode fazer para realmente modificar tais estruturas de forma radical. Este ensaio pretende resgatar um debate, o debate sobre a Universidade Popular, e se pauta na impossibilidade da tradicional esquerda brasileira de propor um sistema educacional para além do capital. Seu pano de fundo não poderia ser outro, a não ser as ocupações de reitorias que aconteceram durante todo o ano de 2007, principalmente nas universidades estatais, e o protagonismo dos movimentos sociais mais populares em propor uma “nova forma de fazer política”.
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I
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Ao contrário do que afirma a tradicional esquerda, a chegada ao poder institucionalizado dos partidos outrora socialistas (ou “dos trabalhadores”), principalmente pela via eleitoral, não se caracteriza pelo inicio de um projeto, mas exatamente pelo seu final. A chegada ao poder, ou pelo menos ao controle do Estado em seus âmbitos mais restritos (burocracia e aparato policial), só acontece quando as condições subjetivas de uma parte significativa da população já estão em conformidade com o programa do grupo que ascende, e é para legitimar este processo que servem as eleições. Mas o próximo grupo dirigente também só pode chegar e se manter no Estado se for capaz de gerir a dinâmica contraditória do capital. Prepara-se toda uma sociedade, incluindo aí todas as suas classes, para determinado momento. O Estado vai aos poucos se modificando para acolher seu próximo grupo dirigente, e aí se inclui também as transformações do Estado em sua esfera mais ampliada (empresas no geral). Mas esse movimento é de mão dupla, e o próprio grupo vai incorporando práticas do Estado que almeja conquistar. Assim, quando o partido e o Estado finalmente se encontram e se confundem, é porque um ciclo se fechou. Daí para frente mudar o Estado, ou toda a sociedade, é mudar-se; e mudar-se é abrir mão daquilo que é e do que tem, ou seja, das instituições de dominação e do poder que emana delas. Este grupo que se funde com o Estado pode ser um legítimo representante de toda uma classe ou pelo menos da fração mais forte dela. Pode ser apenas um partido, mas geralmente é um conjunto deles.
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Entretanto, um conjunto de práticas não forma somente uma instituição, mas várias. Um partido político, portanto, pode apenas ser um dos inúmeros representantes de todo um programa de uma classe. Entre estas outras instituições, além de outros partidos, pode haver diversas organizações, que aparentemente são distintas e independentes, e há também conjuntos de práticas que não chegaram ainda a se consolidar em algo determinado.
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O problema é que quase sempre, principalmente quando o Estado e o partido ainda não formaram uma coisa só, fica difícil delimitar quais instituições estão de cada lado da luta de classe. Isto acontece porque não tendo ainda chegado ao poder, e não tendo o projeto da sua classe se consolidado, o partido ainda está imerso em suas próprias contradições. Vira de fato, quando se trata de um partido de esquerda, um campo de confluência de classes antagônicas e de práticas contraditórias: é, somente neste aspecto, uma instituição em disputa1.
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Esta confusão entre as classes, de uma não saber onde começa a outra, é fruto de dois aspectos. O primeiro aspecto é que uma classe só existe em relação à(s) outra(s). Isto quer dizer que só se supera uma classe antagônica quando se supera a própria classe à qual se pertence. Ou seja, os trabalhadores formam uma classe do capitalismo assim como a burguesia forma outra. Superar o capitalismo significa superar não somente os exploradores, mas também os explorados. A diferença entre estes dois lados é que uma destas classes só existe de forma separada quando se coloca no campo do pró-capitalismo e a outra quando se assume anticapitalista. Ou seja, enquanto as classes não entendem as contradições que as determinam é comum que seja decretada a sua não existência, o que na prática leva à colaboração entre elas. Defender a classe trabalhadora como eterna, em última instância é tirar dela todo o seu caráter revolucionário, que é o de superar a si própria. Porém, é o outro aspecto que é ainda menos conhecido.
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Parece-me nítido que uma classe pró-capitalista é aquela que vive da exploração do trabalho e defende esta condição como necessária e insuperável. Em última instância, basta descobrir onde está posicionado tal grupo no ciclo de criação do valor para começar a decifrar os seus interesses. O difícil, portanto, não é desvendar as classes, mas o ciclo que as tornam parte do mesmo processo, apesar de serem partes contraditórias. Este ciclo, hoje, não poderia ser outro a não ser o modo de produção capitalista. Entretanto, apesar de manter a mesma essência faz uns bons séculos, o capitalismo modificou-se para não deixar de existir. E estas modificações tenderam quase sempre para complexificar uma situação que já não era muito fácil de entender. Provavelmente até à Revolução Russa em 1917, era bem nítido a quase todos que aqueles que detivessem a propriedade dos meios de produção seriam os que ocupariam a função de classe pró-capitalista2. Os que tivessem somente a força de trabalho teriam que se formar enquanto classe anticapitalista – se quisessem almejar uma vida melhor. Assim, não basta também somente estar do lado menos favorecido no ciclo da exploração do trabalho, é preciso se compreender enquanto tal.
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Mas as modificações no capitalismo foram tão profundas que nos mostraram que não é a garantia jurídica da propriedade privada que determina a atual situação de exploração do trabalho, mas o forte controle exercido sobre os trabalhadores. Ou seja, voltemos às práticas! São elas que determinam onde estamos na história, e não as instituições derivadas delas. Por exemplo, a forma de organização do trabalho, que se reflete muito nitidamente no taylorismo, é uma expressão do conjunto de práticas que mantém a hierarquia cada vez mais rígida apesar de cada vez mais camuflada. Houve taylorismo sob o capitalismo de Estado da URSS, e houve também sob o liberalismo dos EUA. A propriedade privada se mostrou uma consequência e não a essência do capitalismo. E quem ainda tem dúvida basta olhar para as experiências “socialistas” e perceber que a exploração do trabalho continuou sem a existência da propriedade privada. E a exploração continuou porque havia subordinação. É aí que está a questão: nem sempre, e cada vez menos, é o proprietário aquele que controla a exploração do trabalho. A esta classe, que planeja e se apodera dos resultados da produção sem necessariamente se preocupar com a propriedade jurídica, chamamos de gestores e se confundem, muitas vezes, com os trabalhadores – seja porque os seus membros estão diretamente ligados à organização do trabalho, como os dirigentes dos sindicatos burocratizados; seja porque são responsáveis por criar os arranjos organizacionais capazes de tirar dos trabalhadores ainda mais valor do seu trabalho, como os administradores. Assim, diversas organizações que se assumem “dos trabalhadores” nitidamente não são instituições burguesas, e até combatem a burguesia numa disputa intercapitalista. Mas por controlarem os trabalhadores e as relações de produção de forma vertical e viverem do valor excedente gerado pelo trabalho (a mais-valia), também não são instituições de trabalhadores – ou pelo menos, não hegemonizadas por estes.
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O que está colocado aqui é: pelo fato de não ser uma tradicional instituição burguesa, esta mesma instituição não pode automaticamente ser considerada uma instituição proletária; e mesmo havendo trabalhadores junto com representantes das classes pró-capitalistas na sua composição, são as práticas dominantes que nos dizem o lugar desta instituição na luta de classe. Quando esta instituição reproduz relações de produção tipicamente capitalistas (como a manutenção das hierarquias e a conseqüente separação entre a base e os chefes), e estas relações soterram as práticas que questionam o capital (como a solidariedade e a autogestão), então esta instituição mais cedo ou mais tarde arrancará do seu interior esta contradição e seguirá o caminho determinado pelas práticas vencedoras. E este momento geralmente é quando se chega ao poder do Estado.
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II
A história do PT (Partido dos Trabalhadores) não me parece fugir muito deste esquema, desta dialética entre práticas e instituições. Não é o PT que funda um conjunto de práticas que hoje chamamos, já de maneira irônica, de “modo petista”. Ao contrário, o PT é fundado por este “modo” e é muito mais resultado da história do que criador dela, por mais que aceitemos o seu protagonismo nas lutas sociais brasileiras das duas últimas décadas.
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Essas práticas que fundaram o PT também fundaram outras instituições, umas antes mesmo do próprio surgimento do PT, outras tão menores e efêmeras que quase não nos lembramos delas. Uma grande parte delas, reconheçamos, estava ligada às diversas formas de organização dos trabalhadores, mas outras tantas se ligaram às classes que controlam e exploram o trabalho. E destas que controlam o trabalho estão desde as burocracias sindicais; a maior parte da autodenominada “sociedade civil”, ou as ONGs – cada dia mais responsáveis pela difusão da ideologia do capital; contando também outros partidos que foram incorporando o projeto petista ao longo do tempo. Entretanto, e hoje é mais fácil afirmar isso de tão completo que está o “modo petista”, há também um conjunto de instituições que historicamente nunca se confundiram com os trabalhadores, nunca foram espaços de disputa para eles, ao contrário dos sindicatos, por exemplo. Falo das empresas, das grandes corporações, das bolsas de valores, cada dia mais alinhadas ao PT. Esses gestores, apesar de surgirem muitas vezes do “chão da fábrica” e, portanto, terem uma ligação muito forte com a unidade produtiva, só se consolidam enquanto classe quando entram também em contradição com a outra classe capitalista, que é a burguesia. Para tanto, não basta ficar na unidade produtiva, entrando em confronto somente com os trabalhadores e mantendo-se subordinados aos proprietários dos meios de produção: é preciso se colocar ao nível superior, que hoje se expressa no mercado financeiro, mas que nada verdade é o próprio controle global do capital. Os fundos de pensão são, portanto, cada dia mais dominados pela burocracia sindical, como nos mostra Francisco de Oliveira em o “Ornitorrinco” (2003)3. Mas há aqueles que já se situavam neste espaço de reprodução do capital mesmo sem ter nenhuma ligação com os movimentos dos trabalhadores. Ou seja, enfim os gestores do grande capital se encontram com os gestores que controlam o trabalho, e só desta junção é possível garantir tal hegemonia. Este convergência entre gestores do “chão da fábrica” com os das grandes empresas é, por exemplo, o que justifica, no plano das ideologias, o “fim da história”, já que as antigas oposições se confraternizaram. Mas que, no nível da economia, representa a total imbricação do Estado com as organizações da sociedade civil e com o Mercado.
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Por outro lado, quanto mais acabada é uma instituição, mais ficam evidentes suas contradições originais devido às escolhas que suas organizações têm que tomar para continuarem a existir. E quanto mais evidentes as contradições, é porque menos poder se concentra na ideologia que as sustenta. O reflexo disso não poderia ser outro a não ser o abandono, pelos trabalhadores, destas instituições enquanto caminhos para uma vida menos sofrida, contando aí toda a subjetividade deste desejo, já que, se tratando do PT, parece nunca ter havido muitas esperanças que deste partido surgisse um instrumento revolucionário.
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Como se vem observando especialmente nos últimos anos, intensificou-se o descolamento dos movimentos sociais do “modo petista” e busca-se agora, de forma muito difusa ainda, um “novo modo de fazer política”. Movimentos outrora considerados do lupemproletariado, ou seja, formados por um segmento social que não mereciam nenhuma confiança dos operários, se levantam de forma organizada por todo o país, refletindo uma tendência que se manifesta de maneira muito concreta em toda a América Latina. Estes movimentos, também campo de confluência de práticas antagônicas, quase sempre sendo os últimos da fila na prioridade dos partidos, sejam eles de direita ou de esquerda, são os primeiros a experimentar estas “novas formas de fazer política”. Mas as organizações mais tradicionais, como os trabalhadores rurais que lutam pelo direito de trabalhar na terra e até mesmo alguns operários (como aqueles que ocupam as fábricas, principalmente quanto estas são abandonadas pelos patrões) apontam para a mesma direção. O fato é que estes movimentos são formados pelos desempregados ou aqueles em situação precária de emprego e se expressam sob outras pautas quando não diretamente na busca de trabalho4, como a luta pela moradia ou outras demandas da “cidadania”.
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Uma das formas de fazer suas lutas que estes movimentos desenvolvem são as ocupações. Diferentes das greves, que paralisam a produção e/ou a circulação de mercadorias mas não apontam para outro modo de vida, as ocupações se confrontam com o capital criando uma alternativa a ele, porque nestes espaços um conjunto de práticas é fomentada e delas, aos poucos, novas instituições brotam, instituições que se fundamentam, desde sua raiz, no antagonismo de classes e não na conciliação. Numa ocupação, a busca pela satisfação das necessidades básicas se imbrica na organização política do movimento, aliando, mais pela imposição das condições materiais do que pelas idealizações, a “luta política” com a “luta econômica”.
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Não se trata, entretanto, de uma novidade história. As ocupações, principalmente de fábricas, mas às vezes de bairros inteiros, foram práticas comuns aos trabalhadores durante todo o século XX. Porém, poucas foram as que caminharam para a auto-gestão da produção. A maioria sequer ousou a colocar a fábrica para funcionar. A partir de 1968 é que se tornou mais comum, nas lutas travadas pelos trabalhadores, colocar a indústria em funcionamento mesmo sem os proprietários. Na América Latina, o caso do Chile é emblemático. Durante o governo de Allende, quando os gestores e a burguesia paralisaram a produção, os trabalhadores continuaram a produzir mesmo sem nenhum apoio do Estado. Na Europa, a França foi o local de experiências conhecidas, com a da LIP (1968). Entre os anos de 1974 e 1975, muitos operários portugueses também conseguiram tomar as fábricas, e geri-las sem os patrões e a burocracia sindical. A questão colocada neste texto, entretanto, não é a originalidade da tática, mas a dimensão que ela ganha na atual conjuntura. Por mais que a fábrica fosse o local de socialização dos trabalhadores como já mais tinha se visto na história – principalmente antes da reestruturação produtiva por qual passou o capitalismo após meados da década de 70, onde a tendência passou a ser a de fragmentar a unidade produtiva –, uma ocupação de terreno para construção de moradia consegue abarcar a vida dos seus ocupantes numa dimensão ainda maior, até porque, para um grande número, trata-se da primeira experiência consciente de intervenção política, e a comunidade ali criada é a primeira da qual se faz parte de forma efetiva.
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Entende-se por “luta política”, então, desde as micro-relações de poder, como, por exemplo, a necessidade de combater o machismo e o racismo para fundamentar uma relação mais harmoniosa entre os ocupantes, até a confrontação com o Estado, ou como acontece ainda com mais freqüência, exigindo ao Estado os “direitos fundamentais” – e é aí que se expressa o caráter contraditório deste conjunto de práticas, que é uma herança, aqui no Brasil, do “modo petista”. A “luta econômica”, por sua vez, não se expressa, assim como nos economicistas tão criticados por Lênin, na busca por melhorias de condições de trabalho (ver Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, texto de 1920). Simplesmente para estes não há a figura do patrão para se exigir algo nem chega até eles a legislação trabalhista – o conjunto de leis que legitima a exploração do trabalho e que a esquerda tradicional tanto ama. A “luta econômica” é a pura e simples experimentação de formas outras de organizar a produção e o trabalho. Neste caso a contradição consiste muitas vezes em ainda se buscar trabalhar de forma individual (hoje atitude louvada com o nome “empreendedorismo”) do que na organização coletiva. O fato é que fazer a “luta econômica” nestes termos é afrontar ao capitalismo na sua essência, que são as práticas hierarquizadas e, portanto, é também uma “luta política”. Por sua vez, a “luta política” só pode acontecer se for através da construção de novas práticas. Fica evidente para estes movimentos, principalmente através de suas táticas, que têm como maior expressão as ocupações, que só podem avançar se aliarem novamente “luta política” e “luta econômica”, superando ao máximo as contradições destes processos. A junção entre “luta política” e “luta econômica” é, portanto, a luta pela autogestão.
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Entretanto, apesar de só agora o conjunto de práticas que criaram o PT começarem a perder a hegemonia, os movimentos que adotam esta “nova forma de fazer política” não partem do zero – e são movimentos muitas vezes de nascimento recente. Esta “nova forma de fazer política” não tem muito de novo. Aliás, o “modo petista” também não surge no início da década de 80... Enfim, historicamente este conjunto de práticas, que hoje já é chamado de autonomismo por muitos, apesar da completa falta de unidade entre aqueles que o reivindicam, trava lutas em paralelo e de forma marginal contra o capitalismo e suas classes privilegiadas, desde a direita clássica até os partidos centralistas autoritários. O fato é que poucas vezes conseguiu-se ser um pouco mais que uma seita, e sempre exerceu um papel secundário. Somente se considerarmos as lutas travadas pelos anarquistas, ou as lutas que entraram para a histórica como lutas anarquistas, como as que aconteceram na Guerra Civil Espanhola entre outras, é que o autonomismo ganha uma dimensão mais significativa na história. Porém, apesar de compartilhar muitos dos princípios anarquistas, pode se tornar muito problemático colocar os atuais movimentos autonomistas como naturais herdeiros daquelas lutas, até porque o movimento anarquista continua a existir e até parece ganhar um novo fôlego.
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Portanto, é plausível pensar que ao se levantar contra o poder do capital, e encontrar pela frente exatamente o PT e suas instituições irmãs porque originadas das mesmas práticas, uma das possibilidades dadas para estes movimentos é tentar usar algumas das táticas e projetos oriundos das práticas que estiveram ao lado dos trabalhadores ao longo destes anos e que por sua vez não compactuaram com o “modo petista”.
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III
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O que se passa neste momento é uma ascensão das lutas sociais em todo país, dizem até que em toda a América Latina, e o que acontece no movimento estudantil é apenas uma expressão, talvez uma das menores expressões, deste processo. Por ser o setor das lutas sociais mais próximo da intelectualidade, e, portanto, capaz de fazer-se ouvir com menor dificuldade, suas lutas ganham uma visibilidade relativamente maior que as dos outros. Sem contar aí que, além de próximo dos “formadores de opinião”, a universidade, local onde o movimento estudantil cria suas lideranças, foi durante um bom tempo o berço dos gestores. Por isso há todo um cuidado em não criminalizar os estudantes revoltosos assim como o fazem com outros setores – como os sem-teto e os sem-terra. Há sempre a esperança de que estes estudantes sejam os futuros dirigentes da sociedade, repetindo uma tradição já secularizada. Somente quando se radicaliza as lutas dentro das universidades, e quando há uma pressão muito forte dos grandes gestores do capital para transformar esta instituição conforme seus interesses, é que os estudantes passam a ser alvo de repressões mais duras, que é o que acontece, neste momento, no interior de São Paulo e na Bahia5.
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Por sua vez, descolados completamente das outras lutas que acontecem fora dos campi, o movimento estudantil, e também o dos professores, tem uma dificuldade enorme de perceber que o movimento do qual participa é na verdade uma parte, e não a vanguarda, da nova conjuntura. Age deste modo não somente por arrogância, mas porque ainda dá força à ideologia das classes dominantes que defende a superioridade do trabalho intelectual frente às outras formas de trabalho, e do profissional intelectual frente ao assalariado, e consequentemente não percebe que o próprio trabalho intelectual, hoje, é uma das formas em que as classes dominantes mais extraem valor. Pior: acreditam mesmo que a universidade deve ser o espaço onde as classes poderiam conviver fraternalmente, para o bem da ciência, que seria, na verdade, neutra.
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O que há de peculiar neste momento, e o que nos leva a crer que há uma ligação muito forte entre o que acontece fora e dentro das universidades, não é ainda a radicalidade das ações – apesar de serem muito mais radicais do que as lutas encampadas sob o signo do “modo petista” – mas a profunda reflexão feita por todos sobre os caminhos a serem percorridos daqui para frente. Nos novos fóruns do movimento estudantil, nas novas centrais sindicais ou nos congressos dos movimentos sociais, pelo menos um questionamento parece surgir em todos estes espaços e apontar para o mesmo caminho: como construir as lutas de uma forma diferente daqui para frente?
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Qual a origem deste questionamento, então? A certeza de que a forma como vínhamos organizando as lutas, e as conseqüentes pautas destas lutas, se esgotaram. O que é este jeito de fazer política que se pretende criticar e superar a não ser o próprio “modo petista”? E é bom lembrar que este conjunto de práticas que caracteriza o “modo petista” não foi ainda completamente superado, nem pelos mais radicais dos movimentos. E que, entre aqueles que querem superá-lo, há muitos que tentam regatar práticas ainda mais burocratizadas.
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Ao contrário do que se propaga com frequência (principalmente através do tipo de marxismo que prega a neutralidade das forças produtivas), o Partido, seja ele de quadros ou de massas, provou que ao invés de fazer o prometido, que era unificar as lutas, jogou um papel fundamental na sua fragmentação (ou pior, na sua subordinação). Na universidade, e principalmente no movimento estudantil, isso se refletiu na completa separação dos estudantes dos movimentos sociais em particular, e dos trabalhadores no geral, como já assinalado. Segundo eles, cada movimento deve lutar pelo específico, enquanto nós, Partido, lutamos na esfera institucional pelo bem de todos. Neste aspecto, por mais que esta afirmação irrite os outros partidos de esquerda existentes no país, sem dúvidas, não houve nenhum outro partido tão bolchevique quanto o PT no que confere à subordinação de toda uma classe! Por sua vez, poucos foram os movimentos sociais que pautaram em suas lutas uma universidade a serviço de suas próprias demandas, ou o que chamamos de Universidade Popular. Uma luta não dialogava com outra, intencionalmente.
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Mas, nesta nova conjuntura, as esperanças no “modo petista” se diluem. E, ao contrário do que previram durante mais de um século os partidos social-democratas e os de linha leninista e/ou trotskista, a pauta dos movimentos passa a ser, entre outras coisas, a de unificar a luta através de outras formas de organização. Ou seja, os movimentos se mostram capazes de criar seus espaços de interlocução sem mediações. Não se trata somente de criar uma “nova forma de fazer política”, mas uma forma de construir as lutas como base em princípios antes rejeitados, como os da autonomia e da horizontalidade.
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Não é uma questão de ficar idealizando os movimentos sociais. De fato, a reivindicação imediata de todos eles é, em essência, a da conquista da cidadania ou a consolidação da democracia, ou, sendo mais objetivo, a manutenção do Estado e da sociedade atual. É uma contradição, que muitos compreendem que exista, mas poucos sabem como sair dela. Mas quais as conseqüências diretas e já vistas nestes espaços de interlocução? A construção de pautas comuns e de práticas menos hierarquizadas. Por sua vez, o grande diferencial dos movimentos sociais é que são, na maioria dos casos, movimentos de trabalhadores (e não de gestores), feitos por eles e para eles mesmos. São os trabalhadores que gerem as suas lutas e compreendem as limitações dela. Se o programa político, aparentemente, não rompe com o capitalismo, as práticas que podem fundamentar uma nova sociedade já estão a ser constituídas.
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Mas a questão é: os estudantes, e principalmente os estudantes universitários, nunca foram vistos como lupemproletariado. Na verdade, nem como trabalhadores eram vistos. O que fazem eles, então, usando cada vez mais uma tática das camadas de trabalhadores mais periféricas na dinâmica do capital, ao lançarem-se em ocupações?
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Nas ocupações das reitorias das universidades que aconteceram pelo Brasil durante o ano de 2007, por exemplo, a exigência da construção de uma Universidade Popular é nada menos que a expressão da unificação das lutas por uma educação a serviço dos trabalhadores. Se na ocupação da USP (Universidade de São Paulo) isto parecia ser apenas uma das exigências dentre duas dezenas de outras, na ocupação da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), acontecida no mesmo período, na prática foi essa a principal reivindicação, já que segmentos dos movimentos sociais estiveram juntos aos estudantes pautando suas próprias demandas, o que incluía a consolidação de um novo curso (consultar os blogs da ocupação). Na ocupação da UFBA, acontecida poucos meses após, por sua vez, esta pauta surgiu de forma nítida e ainda com mais força. Não entrarei aqui, com o perigo de fazer falsas análises, no julgamento porque uma e não a outra ocupação pautou esta bandeira com mais clareza. O fato é que, apesar da menor comoção social, na UFAL o movimento foi vitorioso de forma muito mais rápida, enquanto hoje, na USP, a reitoria assume sua função policial e começa a punir os estudantes revoltosos. Na UFBA o conflito ainda estar muito acesso para qualquer previsão de desfecho.
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IV
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.Mas a grande questão agora é saber como materializar esta Universidade Popular. Percebamos: os movimentos sociais passaram a reivindicar esta bandeira apesar dos diversos nomes dados a este projeto e uma parte do movimento estudantil começa a compreender que só pode ser um movimento pautado na luta de classe se for aliado dos trabalhadores. Os trabalhadores, sejam eles ainda estudantes ou não, querem agora uma universidade preocupada com suas demandas. Mas de fato, ninguém sabe como será esta tal Universidade Popular. Isso é ruim? Afirmar que isto é ruim é continuar na linha de pensamento que defende a incapacidade dos trabalhadores de criarem suas próprias instituições, ao invés de copiarem as existentes. Por outro lado, assumir a possibilidade de não ter um projeto pronto é alimentar a certeza de que a sociedade futura e suas conseqüentes instituições só podem surgir se forem fundamentadas num novo conjunto de práticas. E a prática para a qual aponta esta incerteza é a da construção coletiva e democrática. Ou seja, a primeira pauta desta Universidade Popular é o modo como ela deve ser construída.
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O segundo questionamento que deve ser levantado é se a Universidade Popular pode surgir das atuais universidades ou se deve se confrontar com elas neste primeiro momento. Se partirmos do pressuposto que nem o capitalismo nem o socialismo encarnam o fim da história, podemos afirmar que tudo está em transição. E com este pressuposto podemos afirmar também que é mais importante pensarmos nos meios do que nos fins. Se neste momento focarmos nossa luta na derrubada da burocracia acadêmica, fração da classe dos gestores que domina as universidades públicas e privadas deste país (veja bem, não são os professores de modo geral, mas uma camada de professores que subordina a universidade aos interesses do capital e está a reformular esta instituição e seus currículos para atingir tal fim), quando conseguirmos isso não perceberemos que dezenas de universidades populares já existem por aí e o que quereremos fazer é exatamente destruir estes projetos. É sempre bom usar alguns exemplos históricos, ainda mais quando são amplamente conhecidos. A destruição dos sovietes após a subida ao poder do Partido Bolchevique exemplifica de forma muito nítida este processo. Ou seja, tenhamos sensibilidade de perceber que estas universidades populares já existem em alguns espaços, e em muitos casos estão fora das universidades tradicionais. E mais: estas universidades construídas a margem da institucionalidade do capital influenciam fortemente as universidades estatais.
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De fato, há cursos de extensão dentro das universidades burocratizadas – não os cursos de extensão financiados pelas empresas, mas os autogeridos por estudantes, professores e trabalhadores envolvidos no processo – que se preocupam na disseminação do cooperativismo com autogestão, por exemplo, e na elaboração de outras tecnologias que, se aplicadas corretamente, servem para a emancipação dos trabalhadores. Mas não é esta a regra e mesmo estes vivem com muita dificuldade e de forma marginal.
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Há também professores e estudantes que mesmo por fora das universidades, sem ajuda de nenhuma das instituições criadas pelas classes dominantes, estão produzindo saber junto aos trabalhadores e a partir de demandas conjuntas. E ainda há os centros de produção de conhecimento construídos por e para os trabalhadores. Provavelmente a Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, seja hoje o exemplo mais conhecido de uma Universidade Popular da qual falamos. E mesmo que não seja ainda, é sem dúvidas uma experiência neste sentido.
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Isso quer dizer que “devemos mudar o mundo sem tomar o poder”? Não se trata disso... Mas só podemos transformar (e não tomar) o poder quando formos capazes de instituir uma nova forma de sociabilidade. Ou seja, quando nossas práticas já estiverem de tal forma enraizadas que fomentem novas instituições que se defrontem diretamente com o poder instituído e sejam capazes de o substituir. Acumular forças é exatamente isto, e não formar uma base alienada sob o julgo de uma direção burocratizada. A este processo de construção de um conjunto de instituições que se defrontam com o poder constituído podemos chamar, assim como o próprio Lênin fazia, de “poder dual”. A Universidade Popular é a forma de poder que deve se defrontar com a Universidade do Capital, seja ela “pública” ou privada. A Universidade Popular deve ser compreendida também como uma das possíveis formas de expressão do poder popular.
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Ou seja, este “poder dual” pode acontecer por dentro ou por fora das universidades atuais, mas seja onde for só acontece a partir da unificação dos trabalhadores de fora das universidades com os filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras que estão dentro das universidades. Daí, a construção de fóruns onde os movimentos sociais tenham voz e voto dentro da própria universidade atual é de fundamental importância. Mas se apegar só a isto é um grande equívoco.
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V
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Derivado disto tudo, é importante entrar numa questão que não deveria ser polêmica para obviedade que ela traz, mas que infelizmente é algo muito caro nas elaborações dos projetos dos próprios movimentos sociais. Até que ponto uma universidade financiada pelo Estado é uma Universidade Pública? Configura como projeto político daqueles que de dentro das Universidades se mantêm no “modo petista” reivindicar “uma universidade pública, gratuita e de qualidade”. Mas a universidade pública que eles reivindicam é a universidade subordinada ao Estado. Aí cabe uma pergunta: a Universidade Estatal (porque é assim que devem ser chamadas as universidades financiadas e controladas pelo Estado) dos períodos anteriores ao neoliberalismo era uma universidade a serviço dos trabalhadores? O máximo que esta universidade estatal conseguiu ser, de forma muito precária, diga-se de passagem, foi uma Universidade de Massas. Mas uma Universidade de Massas não é uma Universidade para as massas. Daí porque parece ser incompreensível exigir a manutenção da atual universidade. O que determina o sentido da universidade são os propósitos pelos quais são criados e transferidos os conhecimentos gerados nela. A Universidade de Massas é um projeto do capital na medida em que cria trabalhadores qualificados para a subordinação destes às empresas. Esta não pode ser a Universidade Popular: é a Universidade Populista. Uma “Universidade para as massas”, cujo melhor termo me parece ser o da Universidade Popular – já que o trabalhador não se deve moldar por outros e sim de forma autodeterminada – é uma universidade que deve ter por objetivo incluir em seus espaços todos que nela queiram entrar, mas para produzir conhecimento para estes que nela entraram, e não para aqueles que de fora a controlam.
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Um espaço público, diferente do estatal, é aquele no qual os trabalhadores que nele se produzem (ou no caso das universidades, os futuros trabalhadores que nela se formam) decidem o futuro de tal espaço. Uma universidade pública me parece ser aquela que pode ser gerida por todos que nela vivem, que é livre para decidir seus propósitos e atende aos interesses da vida, e não do capital. Mas uma universidade pública está a serviço dos trabalhadores que nela não estudam também, porque ela deve ser a expressão dos setores mais oprimidos da sociedade, e não do segmento mais privilegiado dela. Se tal sociedade é composta de uma maioria negra, então deve se dedicar prioritariamente a compreender esta realidade, sem esquecer de outras questões tão importantes quanto. Se o problema da sociedade é criar trabalho menos brutal ou tecnologias de gestão que garantam o controle dos trabalhadores sobre o seu próprio trabalho, então são estes problemas que a universidade deve pautar como prioridades. Seu objetivo não é o de criar mais trabalhadores, mas o de ser um espaço onde as questões colocadas à sociedade sejam debatidas e resolvidas, sem esquecer que outros milhares de locais, também públicos, têm esta tarefa. Enfim, uma universidade pública não pode existir de forma plena nesta atual sociedade, a não ser como dualidade de poder, em projeto inacabado e contraditório.
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Portanto, a universidade pública só é popular se não for estatal. A Universidade Estatal é a Universidade do Capital, assim como hoje é a Universidade da Burocracia Acadêmica. Mas a Universidade Estatal nunca será a Universidade dos Trabalhadores, ou, só para não associar este projeto às práticas a serem superadas: uma Universidade Popular.
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Mas além da defesa abstrata da “universidade pública”, o movimento que insiste em seguir no “modo petista” exige uma “universidade de qualidade”. Por sua vez, a universidade pretendida pela burocracia acadêmica também está a cada dia mais em busca da qualidade. Mas qual qualidade? A qualidade necessária para a reprodução do capital de forma mais plena. A burocracia acadêmica sabe que a ciência tem classe, mas a esquerda do “modo petista” ainda vive na ilusão da neutralidade das forças produtivas. Exige qualidade de forma abstrata e não percebe que cada dia a Universidade está mais qualificada para atender os interesses daqueles que a controlam. As reformas universitárias propostas servem para fazer universidades mais qualificadas nestes aspectos.
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E se a gratuidade é uma grande coisa a ser conquistada, não difere muito das outras duas bandeiras falsamente neutras. Ou seja, presume-se acima da luta de classes. Ser gratuita não garante que o que for produzido nela sirva para a emancipação dos trabalhadores. A Universidade Estatal brasileira sempre foi gratuita, e a cada dia mais as universidades do capital privado tendem a se tornar também, em conseqüência dos projetos de “transferência de renda” criados pelos últimos governos. Se a gratuidade do ensino sempre foi a bandeira mais radical levantada por aqueles que acreditaram ser a educação uma das formas mais concretas de emancipação, isto tudo muito antes do “modo petista” exigir para si a mesma consigna, o fato do Estado financiar o ensino, seja através das instituições privadas do Estado ou do mercado, ou, como comummente chamamos Universidades Públicas e Universidades Particulares, o fato de ser desta forma só demonstra a importância da educação formal na reprodução do capital. Ainda mais porque a ingerência mais contundente em ambos os espaços sempre é a de reprimir a participação discente nas instâncias de poder. De resto, a burocracia acadêmica mantém sua liberdade de vender estas instituições a bel prazer, desde que, por sua vez, sigam também o script determinado pelos gerentes do grande capital, respeitando as hierarquias.
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Diante destes aspectos, uma Universidade só pode ser popular se assumir seu caráter de classe e suas bandeiras refletirem esta compreensão. Ou seja, romper como o “modo petista” requer elaborar novas bandeiras e palavras de ordem. A atual bandeira, “universidade pública, gratuita e de qualidade” só reflete o afastamento dos movimentos de dentro da universidade do conjunto dos trabalhadores e no final das contas reafirma a pretensão das classes dominantes de se porem acima da luta de classe.
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Porém, além de pública, a Universidade Popular deve ser livre. Ser livre, por um lado, é possível somente, como já esboçado, através da autogestão, e não somente através da co-gestão. A co-gestão é uma colaboração entre setores, a autogestão é o governo de todos de forma igual. Defender, por exemplo, que professores e estudantes, na hora de decidir os rumos da universidade, tenham pesos distintos, então esta universidade não é outra a não ser a Universidade do Capital, porque continua a reproduzir suas relações autoritárias. Mas, além de ser livre internamente, deve ser livre em relação às outras universidades populares.
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O fato é que em nome do “conhecimento a serviço dos trabalhadores” podemos criar um totalitarismo que impeça a criatividade. Essa deve ser uma das maiores preocupações. A descentralização da Universidade Popular é o único caminho para que cada trabalhador se veja na totalidade e também em sua especificidade nestas instituições. Ou seja, é necessário que cada um entenda do seu modo o que é uma universidade a serviço dos trabalhadores e que seja impossível censurar outro espaço que produza conhecimento a serviço dos trabalhadores de outra forma. Uma Universidade Popular da periferia de um centro urbano não pode produzir a mesma ciência de uma Universidade Popular de trabalhadores rurais.
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E é possível descentralizar sob o comando do Estado? É possível fragmentar, não descentralizar. E a fragmentação, hoje, é o principal inimigo daqueles que querem constituir “um novo modo de fazer política”. Portanto, a Universidade Popular deve ser encarada não como algo a se erguer através de prédios e sistemas de avaliação, copiando os modelos atuais, mas como um projeto de unificação da classe trabalhadora, assim como outros a ser elaborados. Seu objetivo é despir a ciência do capital da sua suposta neutralidade, e provocar os trabalhadores a produzirem e sistematizarem conhecimentos oriundos das suas próprias práticas. Só daí pode se pensar em construir suas próprias instituições de educação de forma generalizada. O “modo petista” é apenas um dos véus que mascara a neutralidade das forças produtivas e que garante o apego dos trabalhadores à atual universidade e à sua ciência. Entretanto, tudo nos leva a crer que este véu já começou a cair.
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Referências Bibliográficas:
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BERNARDO, João. Dialética da Prática e da Ideologia. Porto: Editoras Afrontamento e Cortez, 1991.
BERNARDO, João. Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo: Edições Vértice; Editora Revista dos Tribunais, 1987.
BERNARDO, João. Economia dos Conflitos Sociais. São Paulo: Editora Cortez, 1991.
BERNARDO, João. O Inimigo Oculto. Lisboa: Editora Afrontamento, 1979.
BLOG DA OCUPAÇÃO DA REITORIA DA UFAL. Disponível em: /span>http://ocupacaoufal.blogspot.com>. Acesso em: set. 2007.
BLOG DA OCUPAÇÃO DA REITORIA DA UFBA. Disponível em: /span>http://ocupacaouba.blogspot.com>. Acesso em: nov. 2007.
BLOG DA OCUPAÇÃO DA REITORIA DA USP. Disponível em: /span>http://ocupacaousp.noblogs.org>. Acesso em: set. 2007.
LÊNIN, V.I. Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo. São Paulo: Editora Símbolo. 4ª edição, 1920 [1978].
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista – O Ornitorrinco. São Paulo: Editora Boitempo, 2003.
TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. 2ª ed. São Paulo. Ática, 1977.
TRAGTENBERG, Maurício. Administração, Poder e Ideologia. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1989.
TRAGTENBERG, Maurício (org.). Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
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1 Para entender melhor a relação entre as práticas e as instituições, ver, de João Bernardo, o livro Dialética da Prática e da Ideologia (1991), publicado pelas editoras Afrontamento e Cortez.
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2 Makhaiski já colocava esta questão sob outros parâmetros mesmo antes de 1917, mas seu pensamento foi quase que esquecido. No Brasil, Maurício Tragtenberg foi um dos poucos a reconhecer o valor deste autor, ao republicar alguns de seus textos em Marxismo Heterodoxo (1981).
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3 Neste texto, o segundo do livro Crítica à Razão Dualista (2003), apesar de apresentar algo na direção da formação dos gestores enquanto classe autônoma (porém sempre em relação com as outras), Chico de Oliveira não se preocupa, talvez pelo caráter de ensaio dado ao trabalho, em resgatar todo o pensamento que já tinha feito tais considerações anteriores a ele. Única referência citada é Milovan Djilas, que defende mais a liberdade de mercado do que a auto-organização dos trabalhadores, e não rompe, portanto, com a classe dos gestores de que ele mesmo percebe a existência. Para entender mais sobre a formação dos gestores enquanto classe, ver a obra de João Bernardo e de Maurício Tragtenberg.
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4 Não que eles estejam excluídos do capitalismo por não terem emprego – estão tão enfurnados quanto o burguês tradicional, o operário da indústria automobilística e o professor universitário – mas a certeza que muitos têm de que não voltarão jamais para a formalidade impõe a necessidade de inventar ou experimentar outras formas de trabalho.
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5 Os estudantes que ocuparam as reitorias das universidades estaduais paulistas e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ou fizeram qualquer outro tipo de ato que questionou a hegemonia da burocracia acadêmica, sofrem agora com a repressão, que vai desde a violência policial a ameaça de expulsão. Ver Blog da Ocupação da Reitoria da USP e o Blog da Ocupação da UFBA.
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