Cuba debate - [Thierry Meyssan, Tradução de Diário Liberdade] 3 de Março de 2011. É costume dizer que em uma guerra a primeira vítima é a verdade. As operações militares na Líbia e a resolução 1973, que lhes serve de base jurídica, não são a exceção à regra. São apresentadas ao público como necessárias para proteger a população civil, vítima da repressão indiscriminada do coronel Kadafi. Na realidade, elas têm objetivos imperialistas clássicos. Vejamos alguns elementos esclarecedores.
Crimes contra a humanidade
Com a intenção de piorar o panorama, a imprensa atlantista fez crer que as centenas de milhares de pessoas que fugiam da Líbia estavam tratando de escapar de um massacre. Agências de imprensa falaram de milhares de mortos e de «crimes contra a humanidade». A resolução 1970 denunciou perante a Corte Penal Internacional possíveis «ataques sistemáticos ou generalizados contra a população civil ». O conflito líbio tem, na realidade, uma leitura política e, ao mesmo tempo, uma leitura em termos tribais. Os trabalhadores imigrantes foram as primeiras vítimas do enfrentamento. Bruscamente, viram-se obrigados a partir. Os combates entre os partidários de Kadafi e os rebeldes foram certamente sangrentos, mas não nas proporções anunciadas. Nunca houve repressão sistemática contra a população civil.
Apoio à «primavera árabe»
Em seu discurso perante o Conselho de Segurança, o ministro francês de Relações Exteriores, Alain Juppé, elogiou a «primavera árabe» em geral, e a insurreição líbia, em particular.
Seu lírico discurso escondia escuras intenções. Não disse nem uma palavra sobre a sangrenta repressão no Iêmen e no Barein, mas elogiou o rei Mohamed VI de Marrocos, como se tratasse de um dos militantes revolucionários [1], contribuindo, assim, para piorar a já desastrosa imagem da França que existe no mundo árabe, graças à presidência de Sarkozy.
Apoio da União Africana e da Liga Árabe
Desde o início destes acontecimentos, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos não deixam de afirmar que esta não é uma guerra ocidental, ainda que o ministro francês do Interior, Claude Gueant, tenha falado de uma «cruzada» de Nicolas Sarkozy [2]. Os três países mencionados se escudam, assim, no apoio que supostamente teriam recebido da União Africana e da Liga Árabe.
A realidade é que a União Africana condenou a repressão e reconheceu a legitimidade das reivindicações democráticas, mas se pronunciou, a todo o momento, contra uma intervenção armada estrangeira [3]. Com relação à Liga Árabe, trata-se de uma organização que reúne principalmente uma série de regimes ameaçados por revoluções similares. Esses regimes apoiaram o próprio início da contrarrevolução ocidental – alguns, inclusive, estão participando dela no Barein – mas não podem se dar o luxo de chegar a apoiar uma verdadeira guerra ocidental, porque teriam de enfrentar uma aceleração dos movimentos de oposição internos que poderiam derrotá-los.
Reconhecimento do Conselho Nacional Líbio de Transição
Há 3 zonas rebeldes na Líbia. Um Conselho Nacional de Transição se constituiu em Bengazi. Fusionou-se com um Governo Provisório criado pelo ministro da Justiça de Kadafi, que se uniu aos rebeldes [4]. Foi este mesmo personagem, segundo as autoridades búlgaras, que organizou as torturas contra as enfermeiras búlgaras e o médico palestino, que foram mantidos detidos pelo regime por um longo tempo.
Ao outorgar seu reconhecimento a este Conselho Nacional Líbio de Transição e ao eximir de toda culpa o seu novo presidente, a coalizão de países ocidentais escolhe os seus interlocutores e os impõem aos rebeldes como dirigentes. Isso lhes permite retirar os revolucionários nasseristas, os comunistas e os khomeinistas.
O objetivo é adiantar-se aos acontecimentos e evitar o que sucedeu na Tunísia e no Egito, quando os ocidentais impuseram um governo do partido de Ben Ali sem Ben Ali, ou um governo de Suleiman sem Mubarak; governos que os revolucionários derrotaram igualmente.
Embargo sobre o armamento
Se o objetivo fosse proteger a população, havia bastado instaurar um embargo aos mercenários e ao armamento destinado ao regime de Kadafi. Em vez disso, o embargo se estendeu aos rebeldes para prevenir sua possível vitória. O verdadeiro objetivo era deter a revolução.
Zona de exclusão aérea
Se o objetivo fosse proteger a população civil, a zona de exclusão se limitaria aos territórios rebeldes (como se fez no Iraque com o Curdistão). A realidade é que a proibição de voo se estende a todo o país. Dessa maneira, a coalizão espera manter a correlação de forças em terra e dividir o país em 4 partes: as 3 zonas rebeldes e a zona leal.
Esta divisão de fato da Líbia deve ser comparada com a do Sudão e a da Costa do Marfim, primeiras etapas do «redesenho da África».
Congelamento de bens
Se o objetivo fosse proteger a população civil, ter-se-ia apenas ordenado o congelamento dos bens pessoais da família Kadafi e dos dignitários do regime para impedi-los de violar o embargo sobre o armamento. Mas esse congelamento se estendeu também aos bens do Estado líbio. O fato é que a Líbia, sendo um rico Estado petroleiro, dispõe de um tesouro considerável, parte do qual está investido no Banco do Sul, instituição que se dedica ao financiamento de projetos no Terceiro Mundo.
Como assinalou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o congelamento de bens não protegerá os civis. Seu objetivo é restabelecer o monopólio do Banco Mundial e do FMI.
Coalizão de voluntários
Se o objetivo fosse proteger a população civil, o encarregado de aplicar a resolução 1973 seria a ONU. Em vez disso, as operações militares estão sendo coordenadas atualmente pelo US AfriCom e supostamente vão passar para as mãos da OTAN [5]. É por isso que o ministro turco de Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu, indignou-se perante a iniciativa francesa e exigiu explicações por parte da OTAN.
De maneira mais direta, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, qualificou a resolução 1973 como «viciada e inadequada. Se alguém a lê, torna-se evidente que ela autoriza qualquer um a tomar medidas contra um Estado soberano. Tudo isso me lembra a convocação medieval à cruzada», concluiu Putin [6].
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[1] O leitor encontrará a íntegra do discurso de Alain Juppé, dos debates do Conselho de Segurança da ONU e o texto da resolução em «Résolution 1973», Réseau Voltaire, 17 de março de 2011.
[2] «La croisade de Nicolas Sarkozy», Réseau Voltaire, 22 de março de 2011.
[3] «Communiqué de l’Union africaine sur la Libye», Réseau Voltaire, 10 de março de 2011.
[4] Para mais detalhes, ver «Proche-Orient: la contre-révolution d’Obama», por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 16 de março de 2011.
[5] «Washington regarde se lever “l’aube de l’odyssée” africaine», por Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 19 de março de 2011.
[6] «Remarks on the situation in Libya», por Vladimir V. Poutine, Réseau Voltaire, 21 de março de 2011.
Thierry Meyssan, apesar de simpatizar com a insurreição contra o regime de Muammar Kadhafi, opõe-se à resolução 1973 e se pronuncia contra a guerra. Em artigos anteriores mostrou os objetivos imperialistas desta operação. Neste trabalho, Meyssan assinala as principais mentiras da propaganda atlantista.
Traduzido para Diário Liberdade por Gabriela Blanco
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