Em Memórias, Gregório repassa sua impressionante trajetória de vida e resgata um período rico da história política brasileira. O depoimento abrange o período entre seu nascimento (1900) até a libertação da prisão em troca do embaixador americano sequestrado, em 1969, e termina com sua chegada à União Soviética, onde permaneceu exilado até 1979.
Gregório é a legítima expressão do povo brasileiro, no que ele tem de mais autêntico e verdadeiro. É a genuína personificação dos explorados e oprimidos da nossa terra; jamais, dos poderosos, dos exploradores.
Estes sempre lhe dedicaram um indisfarçável ódio de classe, ódio dos opressores, conscientes do perigo, para os interesses dominantes, de “ideias subversivas” difundidas por homens como ele. Na grande trincheira da luta de classes, Gregório sempre esteve do lado dos trabalhadores, dos desvalidos e dos oprimidos. Justamente por isso suportou constantes perseguições policiais, atrozes torturas e um total de 23 anos de cárcere em diversos presídios do Brasil. Teve que suportar feroz campanha anticomunista que os meios de comunicação a serviço dos interesses dominantes sempre moveram contra ele e contra os comunistas.
Conheci Gregório há muitos anos. Em 1946, eu tinha apenas nove anos de idade, quando ele, eleito deputado federal por Pernambuco na legenda do PCB, foi morar conosco, na casa do meu pai, Luiz Carlos Prestes. O PCB havia conquistado a legalidade e elegera para a Assembleia Nacional Constituinte uma bancada comunista composta de um senador, Luiz Carlos Prestes, e 14 deputados, entre os quais Gregório Bezerra. Em nossa casa, além da família, moravam vários camaradas do Partido.
Entre todos, Gregório se destacava pela dedicação ao Partido e à causa revolucionária que abraçara ainda jovem, mas, principalmente, pelo humanismo que irradiava da sua pessoa. Ele sabia compreender os problemas de todos que o cercavam e relacionar-se bem e de maneira afetuosa tanto com as crianças quanto com os idosos, com pessoas importantes ou humildes, com homens ou mulheres.
Foi com horror e indignação que tomei conhecimento, como tantos outros brasileiros – e também democratas de todo o mundo -, de sua prisão em Pernambuco após o golpe militar de abril de 1964 e das bárbaras torturas a que fora submetido. Sua foto sendo arrastado seminu pelas ruas de Recife chocou a todos. Mas Gregório resistiu, apesar de já contar então com 64 anos de idade. Foi condenado a 19 anos de detenção.
Em setembro de 1969, teve lugar no Rio de Janeiro o sequestro do embaixador estadunidense, promovido por organizações da esquerda armada. Em troca da vida do embaixador, os dirigentes desses grupos exigiram a libertação de 15 prisioneiros políticos que deveriam ser enviados para o exterior. Entre eles estava Gregório Bezerra. Embora discordando desse tipo de ação, ele aceitaria a libertação, divulgando, ao mesmo tempo, uma “Declaração ao Povo Brasileiro”, na qual explicava suas razões. Dizia então:
“Por uma questão de princípio, devo esclarecer que, embora aceitando a libertação nessas circunstâncias, discordo das ações isoladas, que nada adiantarão para o desenvolvimento do processo revolucionário e que servirão somente de pretexto para agravar ainda mais a vida do povo brasileiro e de motivação para maiores crimes contra os patriotas.”
E adiante acrescentava:
“Não quero que, nesta hora, a minha atitude ponha em risco a vida dos demais presos políticos a serem liberados. Nem desejo, como humanista que sou, o sacrifício desnecessário de qualquer indivíduo, ainda que seja o embaixador da maior potência imperialista de toda a história. Luto, por princípio, contra sistemas de força. Não luto contra pessoas, individualmente. Só acredito na violência das massas contra a violência da reação.”
Gregório passou dez anos no exílio, até a conquista da Anistia no Brasil, em agosto de 1979. Durante esses anos, Gregório, assim como Prestes, não deixou de contribuir para a luta pela anistia em nosso país. Viajou por diferentes países denunciando os crimes da ditadura militar. Com seu prestígio, tratou de mobilizar os mais diversos setores da opinião pública mundial em campanhas de solidariedade aos presos e perseguidos políticos no Brasil.
Ao mesmo tempo, dedicou-se a escrever suas Memórias, cuja nova edição em boa hora nos é proporcionada pela Boitempo. Sou testemunha de que Gregório escreveu seu livro sozinho e à mão. Companheiros residentes em Moscou naqueles anos se revezavam datilografando as páginas já redigidas pelo nosso talentoso autor.
Gregório soube produzir um relato de sua vida, em linguagem simples e direta, sem qualquer afetação literária. Descreveu a vida de um camponês nordestino miserável, que se transformou em operário e soldado e, nesse processo, ingressou no Partido Comunista. Um militante que dedicou sua vida aos ideais comunistas, arcando com todas as consequências de tal escolha, sem jamais perder as características de grande fi gura humana.
A trajetória de vida de Gregório Bezerra é exemplar e deve servir de inspiração para os jovens de hoje, para aqueles que estão empenhados na realização de transformações profundas em nosso país, que abram caminho para um futuro de justiça social e liberdade para todos os brasileiros. Futuro que, como nos ensina Gregório Bezerra, da mesma maneira que José Carlos Mariátegui, Fidel Castro, Che Guevara, Luiz Carlos Prestes e tantos outros revolucionários latino-americanos, só poderá ser alcançado com a revolução socialista. Gregório foi um comunista que jamais se dobrou diante das dificuldades e que soube “endurecer sem jamais perder a ternura”, na feliz expressão cunhada por Ernesto Guevara.
Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário